Pistolando #029 – Sobre o autoritarismo brasileiro

Tempo de leitura: 2 minutos

 

O cenário político brasileiro atual é desolador e a fome de punitivismo demonstrada por boa parte dos eleitores do governo que desgraçadamente assumiu em 2018 assusta cada vez mais os setores progressistas. Mas essa sanha punitivista, esse namoro com o autoritarismo não veio do nada. Exploramos suas origens com Rodrigo Elias, do podcast Passadorama, com base no livro de Lilia Schwarcz, Sobre o Autoritarismo Brasileiro, em mais uma parceria com a Companhia das Letras.

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Ficha técnica

Hosts: Leticia Dáquer e Thiago Corrêa

Convidado: Rodrigo Elias

Edição: Thiago Corrêa

Capa: Leticia Dáquer

Data da gravação: 04/07/2019

Data da publicação: 11/07/2019

Músicas:

  • Dead Fish – Não Termina Assim
  • Gilberto Gil – A Novidade
  • Se manda bailiarina – Paródia disponível aqui

 

Links relacionados ao episódio

Portugal: imóveis ganham quarto de empregada para agradar brasileiros (R7, 28/03/2018)  

 

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Série documental: This Giant Beast that is the Global Economy (Amazon Prime Video)  

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2 comments on Pistolando #029 – Sobre o autoritarismo brasileiro

  1. Lucas Borges Santos disse:

    Olá, sou libertário, a favor do livre mercado e do capitalismo, e da liberdade por completa, seja econômica ou política, pessoal, e de associação.
    Dito isso, vim até esse local procurando visões opostas a mim, da pra notar claramente e acho que os podcasters não negam a tendência, viés, inclinação, claramente, mais a esquerda do conteúdo do podcast. Concordei com muitas coisas que foram ditas, especialmente em relação as relações desiguais de raça e gênero que existem na nossa sociedade e as raízes bem penetradas e incrivelmente antigas, realçando inclusive a responsabilidade da religião e da Igreja em “gadar”, dominar a população e essa influência migrando para o Estado e transformando-o em um instrumento de manutenção da opressão e do controle vertical da população por parte de uma elite política/intelectual, essa parte especificamente eu não sabia e tenho interesse em ler mais sobre isso, e como a crítica iluminista a religião é importante para a constituição do Estado moderno e a falta da mesma, resulta em domínio sobre outras pessoas, o que é a dinâmica de praticamente todo o Estado, na minha visão, uma elite política dominando uma massa desinformada, isso pode mudar de textura, nomes bonitos e iconografia ao longo dos anos, mas a essência continua.
    Em contrapartida, discordo assintosamente da parte em que afirma que juros bancários são “roubo”, para manterem sua coerência, eu recomento definir conceitos de forma direta e precisa antes de ir jogando eles em qualquer lugar, eu como libertário, considero isso como a apropriação indevida de bens/posses sem o consentimento de certa pessoa, por mais que eu e você possamos concordar que o sistema bancário muitas vezes possa ser predativo, selvagem e abusivo, especialmente no Brasil, é ERRADO, dizer que se trata de um roubo, pois a mesma pessoa concorda com eles, ao criar uma conta e assinar um contrato (sim, é preciso ler o que você assina, saber o que você concorda), EU CONCORDO que essas condições tem de melhorar, mas a definição simplesmente não encaixa.
    Além disso é claro que muitos problemas sociais causados pelo Estado e políticas desastrosas governamentais são simplesmente jogadas gratuitamente, sem precisar de nenhuma justificativa, no CAPITALISMO. Por favor! Definam capitalismo antes de jogarem TUDO em cima de um conceito como esse, que hoje em dia é tão críticado pifiamente que já perdeu seu sentido semântico e as ÚNICAS críticas válidas ao sistema são ignoradas! Então eu não consigo nem rebater sua crítica em cima do Capitalismo, sendo que nem mesmo foi definido o que está sendo criticado.

    Enfim, gostei bastante do podcast e vou continuar ouvindo ao mesmo.
    Parabenizo a vocês e sucesso!

    1. Rodrigo Elias disse:

      Oi Lucas! Muito bacana seu comentário. Vou tentar falar um pouquinho sobre o aspecto central da sua crítica, já que a fala original – e potencialmente absurda – foi minha.

      Então, como você sabe, “crime” é uma categoria humana, criada por grupos humanos e que só pode ser utilizada para definir relações humanas – não existe “roubo”, bem como não existe “assassinato” entre os outros animais, uma vez que é uma definição social.

      Vários cientistas sociais, filósofos, sociólogos e historiadores já se dedicaram ao tema “norma x desvio”, do qual surgiram as mais diversas teorias sobre o crime e sobre “comportamento criminoso”. Um nome importante no debate é o Howard Becker, que nos anos 1960, no seu livro “Outsiders”, chegou a uma conceituação que eu, como historiador, acho bastante adequada. Segundo ele, o “desvio” (e aí podemos incluir a noção de “crime”) não é uma qualidade de um determinado ato, mas é a forma como os grupos humanos qualificam tal ato em determinados contextos. Por exemplo: entre nós, ocidentais, causar a morte de uma pessoa pode ser considerado um desvio, um “crime”; mas há situações nas quais este mesmo ato pode ser visto como um comportamento desejável, legítimo, “normal” (isto é, dentro da norma) e não criminoso (matar um inimigo no campo de batalha, ou a eutanásia em certos países). Assim, só existe o desvio quando o grupo decide qual é a norma – que varia de lugar para lugar, de época para época. Entretanto – e aí está o pulo do gato -, quem faz a norma? São aqueles que ocupam lugares mais importantes ou menos importantes naquele grupo? Obviamente, aqueles que ocupam o lugar mais importante. Por exemplo: o álcool é a substância psicoativa que causa mais mortes no Brasil (mais de 90% das portes por uso de substância psicoativa), enquanto em relação à maconha não há registro de morte por uso da substância. Entretanto, quem está mais sujeito a ser identificado como um criminoso, o jovem negro que vende maconha na favela ou o dono da AmBev, um senhor branco e rico? A resposta é óbvia, não é? A lei (“norma”) é feita de acordo com a conveniência de um grupo (o que tem lugar mais destacado) e pode ser inconveniente em relação aos outros grupos – o “crime”, portanto, não é um fato em si, absoluto e definível de maneira imparcial no comportamento entre iguais, mas uma definição resultante de uma relação de poder. Uma conduta pode ser moral ou imoral não pela conduta em si, mas por quem tem condições de estabelecer a norma moral para impor aos demais.

      Além disso, diferentemente de uma concepção idealista do liberalismo, os contratos na nossa sociedade não acontecem entre indivíduos totalmente livres para aceitá-los ou recusá-los; ao contrário, as enormes desigualdades na nossa sociedade colocam em lados opostos as pessoas que dependem do trabalho para sobreviver e o sistema financeiro. Qual liberdade uma professora tem para aceitar ou não o sistema bancário e todas as suas exigências? Assim, o banco faz o que quer – inclusive as definições das taxas de juros ou serviços – e o Estado reconhece o mesmo como legal, como norma. Entretanto, se uma professora desesperada entrar em uma agência bancária e levar dali uma caneta, provavelmente será considerada uma criminosa. Se os professores e as professoras, ao invés dos banqueiros, tivessem a mesma influência que atualmente os bancos têm para definir as leis do país, será que os juros cobrados dos trabalhadores e das trabalhadoras atualmente seriam considerados legais? Tenho a impressão de que a resposta é não.

      Quanto à questão do capitalismo, é profunda e complexa demais para que eu possa dar uma resposta – Marx escreveu muitos livros sobre o assunto e só teve tempo de vida para iniciar uma análise, de modo que euzinho, Rodrigo, de São Gonçalo, não sou ninguém para poder fazer uma análise acurada do tema. Entretanto, o mundo capitalista é o mundo no qual eu vivo. O Estado que eu conheço (o brasileiro) e os governos sob os quais vivi até hoje (todos brasileiros) são resultado e reproduzem a lógica da construção do capitalismo desde o século XVI, fundando nossa sociedade em um processo de acumulação de capital com base na criação e da manutenção das desigualdades socioeconômicas, e que teve como suporte principal a escravização de seres humanos. Não estou falando da teoria liberal, estou falando da realidade histórica da construção das sociedades capitalistas ocidentais, que chegaram a abrigar, inclusive no Brasil, grandes autores liberais que eram, ao mesmo tempo, defensores da continuidade do tráfico de escravizados – a exemplo de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu (1756-1835), um dos mais influentes autores e políticos liberais brasileiros do século XIX.

      Enfim, obrigado por abrir o diálogo! Continue ouvindo o Pistolando e, se quiser ouvir mais um pouco dos meus absurdos, dá uma passada lá no Passadorama 😉

      Um abraço,
      Rodrigo.

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