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Houve (não paguem o mico que os dois jumentos, o Conje e o Weintraub, pagaram recentemente falando “houveram”, “haviam” etc. Em tempo: não são jumentos porque não sabem usar o verbo haver corretamente, e sim porque, sendo um, TEORICAMENTE, um juiz, que TEORICAMENTE passou numa prova dificílima, e o outro um ministro da educação, esse tipo de erro é imperdoável, e também porque já deram N provas da sua jumentice) duas coisas no meu dia ontem que me deixaram pensativa, estilo Dimitra Vulcana.
Lá pra hora do almoço, depois da academia, passei na lojinha onde compro minhas sementinhas pra pseudopanqueca do café da manhã. Tava chovendo – vem chovendo todos os dias desde segunda – e o dono, que já meio que conheço porque passo lá mais ou menos uma vez por semana, tava sentado vendo televisão atrás do balcão. Perguntei se a chuva tava atrapalhando o movimento; ele respondeu que sim, mas que também tinha receio de rolar alguma confusão mais tarde, por causa da manifestação #30MpelaEducação. Falei que ia, lógico; jamais perco a chance de engrenar numa conversa desse tipo. Deu-se o seguinte diálogo:
Cara: Pois é, minha filha também vai… Ela estuda Letras na UFPR mas eu tô achando ela muito radical.
Eu (usando minha técnica de fazer uma pergunta em vez de dar uma resposta pronta): Defina “radical”.
Cara: Por exemplo, ela foi a uma manifestação um dia e voltou com um olho roxo. Disse que caiu da bicicleta, mas eu acho que apanhou da polícia.
Eu: Mas se ela apanhou da polícia, me parece que radical foi a polícia que bateu numa FUCKING ESTUDANTE, não?
Cara: …
Eu: Imagino que ela deva estar preocupada com o futuro dela na faculdade, né.
Cara: Sim, ela tinha conseguido uma bolsa de pesquisa, mas foi cortada.
Eu: Pois é, temos o único governo do sistema solar que quer resolver os problemas da educação CORTANDO FUNDOS PRA EDUCAÇÃO.
Cara: …
Saí de lá tentando entender o limite da falta de compreensão de mundo de quem pensa dessa forma. Como é possível alguém chamar de radical a própria filha que APANHOU da polícia por estar protestando pelos direitos QUE ELA TEM SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL? Como é possível chegar nesse ponto extremo de incompreensão, de falta de lógica, de ausência de bom senso?
Mais tarde, ouvindo o Fora de Prumo sobre o ataque às universidades, me peguei concordando com a participante (só reconheço a voz do Gabriel ainda, sorry, zente) quando ela diz que não é só uma questão de simplificar o discurso. Frequentemente nos encontramos na situação de explicar conceitos básicos pra gente que nunca estudou direito, que tem dificuldade de interpretação não só de texto, mas também de fala, que não entende o conceito de longo prazo, de efeito cascata, de consequências indiretas. Fiquei pensando nisso o dia inteiro ontem. Lembrei de um livro que li quando fiz a matéria de sociologia na faculdade de Comunicação Internacional na Itália (não terminei o curso, mas fiz várias matérias bem maneiras), chamado Orality and Literacy, de Walter J. Ong. Lembro que quando fui fazer a prova (oral, porque lá é tudo assim) contei uma história do meu sogro, que estudou pouquíssimo e tem muita dificuldade em entender conceitos um pouquinho mais abstratos (e é disso que fala o livro). O professor, que era da minha idade, riu e disse que tinha tido uma conversa semelhante recentemente, quando foi papear com um cara que criava porcos. O prof perguntou quanto vivia um porco, e o fazendeiro respondeu, sei lá, 6 meses – a idade em que o porco está pronto pro abate. Jamais passou pela cabeça dele que se não for abatido, o porco pode viver muito mais que isso, porque pra ele porco serve somente pra comer, não existe porco além disso.
Segundo o livro, que recomendo vivamente, uma característica da vida sem a escrita (que obviamente depende da leitura) ocupando um papel importante é a dificuldade de entender conceitos abstratos.
Planejamento requer pensamento abstrato.
Compreender o conceito de longo prazo requer pensamento abstrato.
Entender consequências, diretas e indiretas, requer pensamento abstrato.
Quem está preocupado, justamente, em botar comida na mesa HOJE, AGORA, não tem nem matéria-prima e nem motivação pra pensar a longo prazo. A instabilidade da vida nos torna excessivamente pragmáticos – e estou dizendo isso enquanto pessoa excessivamente pragmática, embora de um outro jeito, digamos assim. Quando você nunca sabe o que vai acontecer amanhã – vão congelar a sua poupança? Vão aumentar em 10 anos o tempo que você vai levar pra se aposentar? Vão cortar o SUS? Vão cortar a merenda da escola do seu filho? – não faz o menor sentido se preocupar com o amanhã. Quando o amanhã chegar, a gente encara.
Essa volta toda pra chegar no que o pessoal do Fora de Prumo comentou. O problema não é só uma questão de simplificar a linguagem. Usar de uma linguagem simples pra explicar um conceito básico que a pessoa simplesmente não é capaz de compreender porque lhe falta motivação, matéria-prima, uma fundação de conhecimento, não vai ajudar a fazer o conceito entrar na cabeça do interlocutor. Simplesmente não vai.
O resultado a gente viu nessas últimas eleições.
Tenho respostas? Sorry, não tenho. Mas essas são questões que já vinham flutuando, amorfas, na minha cabeça há um tempo. Ontem os acontecimentos do dia me fizeram organizar um pouco mais essas ideias e quis compartilhar aqui. O que a esquerda chama de trabalho de base na verdade é algo de BEM mais complexo e difícil, a meu ver. Eu não sei nem por onde começar.
O que vocês acham?
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