Mês: novembro 2018

Pistolando #012 – Colonizados e colonizadores

Tempo de leitura: 2 minutos

A história é escrita pelos vencedores, mas hoje é mais fácil aos vencidos, aos colonizados e aos oprimidos fazerem ouvir a sua voz. Nada justifica deturpar os fatos, romantizar opressões ou deixar de ensinar a colonizados e colonizadores a versão mais próxima possível do que de fato aconteceu. Não conhecer o próprio passado de opressor ou oprimido dificulta a nossa compreensão de nós mesmos, complica a nossa busca por uma identidade e, principalmente, nos impede de buscar modos de evitar situações semelhantes no futuro. Como é ensinada no mundo lusófono a história de Portugal e suas ex-colônias? Que visão atual têm os portugueses dos países que eles colonizaram no passado? Que repercussões tem sobre todos nós a falta de ênfase dada ao horror da escravidão? Que papel têm os museus nisso tudo? Conversamos com João Figueiredo, antropólogo português, Rebeca Ávila, mestranda em Estudos Sociais Latinoamericanos, e Karla Costa, do podcast Sobre História.

 

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#ativismonaweb

Tempo de leitura: 9 minutos

 

Um dos muitos problemas recorrentes fora da minha bolha da podosfera esquerdopata gayzista marxista miçangueira é a dificuldade de conversar seriamente sobre temas que os coxinhas classificam sob o termo guarda-chuva “mimimi”. Um desses temas é a cultura do estupro. Já tentei introduzir o assunto muitas vezes no grupo dos médicos, por exemplo, mas um deles, um ser execrável de quem tenho vergonha de ter sido muito amiga por muitos anos, rebate com os clássicos não-argumentos da direita quando se toca nesse tópico. Ele é o clássico macho escroto que ficou pra trás quando o mundo andou: era aquele politicamente incorreto que todo mundo achava engraçado, a maior parte das pessoas entendeu que ele não tem mais graça, foi largado lindamente pela mulher e ainda levou um divórcio-relâmpago na fuça, e desde então foi só ladeira abaixo. Hoje é aquele homem-criança ridículo com senso de humor estilo Trapalhões, que baba quase que literalmente quando qualquer mulher passa ao lado dele e chama de feminazi qualquer uma que tenha dignidade e não dê trela pra sua figura patética. Como eu não tenho paciência pra discutir com macho escroto intelectualmente desonesto, acabo largando de mão.

Mas a gente PRECISA falar sobre cultura do estupro. O termo não é novo e nem brasileiro; foi cunhado pelas feministas da segunda onda nos EUA, o que já demonstra uma certa universalidade do patriarcado, onipresente quando se trata da nossa espécie.

O mundo é machista. Como já dizia Confúcio, mulher só se fode. Sempre estivemos na berlinda, sempre sofremos caladas, sempre fomos consideradas seres inferiores, objetos a serem possuídos, bibelôs/trophy wives, úteros ambulantes, a lista é longa e muito, muito triste. Nunca fomos ouvidas. Nossos anseios, nossas dificuldades, nossos desejos nunca foram levados a sério – nunca. Somos interrompidas O TEMPO TODO – outro dia mesmo estava assistindo à live da votação daquele abomínio do Escola Sem Partido e as deputadas mulheres eram interrompidas muito mais do que os homens. Quem não se lembra da entrevista da Manuela D’Ávila no Roda Viva, em que ela foi interrompida 12.394 vezes?

Mulheres dificilmente são criticadas (ou elogiadas) pelo que dizem ou fazem; as ofensas inevitavelmente caem pro nível pessoal, e SEMPRE acabam em sexismo. Até o vocabulário usado pra homens e mulheres é radicalmente diferente: mulher é vaca, piranha, cachorra, cadela, vadia, baranga, mal comida. Homem é garanhão, pegador, comedor. Não venham me dizer que nunca repararam nisso, pois ficarei decepcionada.

Não acertamos nunca: se não quisermos filhos, somos egoístas. Se quisermos filhos e deixarmos de trabalhar pra ficar com eles, somos preguiçosas. Se quisermos filhos e formos trabalhar fora, somos acusadas de negligenciar os filhos (me cobrem mais sobre esse assunto no futuro, por favor). Se quisermos um filho só, é triste porque filho único, né, ninguém merece; se quisermos muitos filhos, somos loucas, quem vai tomar conta, como vamos pagar as contas etc etc. Se dedicamos tempo pra ir pra academia, somos chamadas de superficiais, alá, se trabalhasse mais não teria tempo pra malhar. Se formos sedentárias, alá, toda largada, sem um pingo de vaidade. Se nos arrumamos muito, somos fúteis; se não nos arrumamos, somos molambas. Botem a mão na cabecinha e pensem em quantos homens vocês conhecem que estão sujeitos a essas mesmas críticas da mesma maneira.

Nunca somos levadas a sério: mulher bonita não é levada a sério porque se é bonita, é burra; mulher feia não é levada a sério porque deve ser mal comida e portanto rancorosa e fala as coisas por raiva e não de maneira racional.

Essa ausência de voz, essa dificuldade imensa em nos fazermos escutar, nos deixa numa posição extremamente vulnerável. Um número imenso de mulheres que sofrem abuso e violência de todo tipo – sexual, psicológico, verbal, financeiro – nem se dá ao trabalho de denunciar o agressor. Sabem que não acreditarão nelas, sabem que vão perguntar que roupa estavam usando quando aconteceu, sabem que a culpa, no final das contas, vai ser dada à vítima. Há MUITOS relatos na internet de mulheres contando como foi a tentativa de BO em delegacias, inclusive em delegacias da mulher. Contando como foi terrível ter que entrar em detalhes, ter que aguentar os olhares que as culpabilizavam pelo ocorrido, ter que responder a perguntas cretinas, ter que quase que pedir desculpas por terem-se deixado estuprar. O resultado é que o número de casos de feminicídio é, compreensivelmente, subnotificado. Vejam bem, não é só no Brasil – como já estamos carecas de saber, o mundo inteiro é machista.

Não é só no Brasil, mas aqui o bicho pega de maneira bem escancarada. Nossos números são absolutamente escandalosos, e o Grandíssimo Saco de Merda recém-eleito certamente não vai ajudar a melhorá-los. Quando um desgraçado machista lidera o seu país, você se sente autorizado a ser machista também. A tendência é piorar.

Esse meu ex-amigo desprezível é daqueles que acham que o termo feminicídio é desnecessário porque já existe homicídio, que contempla qualquer ser humano vítima de assassinato (o interessante é que ninguém contesta a existência do termo latrocínio, que é matar pra roubar – a motivação é diferente, logo o termo é diferente). Você que tá lendo isso aqui provavelmente entende o motivo da necessidade de um termo específico pro assassinato de mulheres, mas pro caso de não entender, ou de ter que explicar pra alguém, vamos lá: enquanto que sim, é verdade que morrem assassinados mais homens do que mulheres, também é verdade que homens que matam outros homens o fazem por mil outros motivos – roubo, tráfico de drogas, brigas idiotas em bar – que não o simples fato do outro ser um homem. Mulheres mortas pelas mãos de homens morrem por serem mulheres – e portanto por serem consideradas objetos descartáveis, seres cuja vida não tem valor, não-pessoas que servem para serem violentadas, exploradas, e depois eliminadas (ou trocadas por outras mais jovens, como nosso atual presidente e como o Grandíssimo Saco de Merda ilustram perfeitamente). Quando uma mulher é morta pela sua condição de ser mulher – o ex-namorado que não aceita o fim do relacionamento, o marido que não aceita uma nova gravidez, o pai que não aceita que a filha saia à noite com os amigos – isso requer uma nomenclatura diferente. Feminicídio, portanto. Vejam bem: o ex-namorado não aceita o fim do relacionamento porque ele, homem, não pode ser descartado por ela, mulher; afinal de contas, quem manda é ele. O marido que não aceita uma nova gravidez está primeiramente tirando o dele da reta, como se ela tivesse engravidado sozinha; além disso só quem tem útero engravida, logo a “desculpa” “matei porque ela engravidou” só funciona pra mulheres (e outras pessoas com útero, mas vocês entenderam). O pai que mata a filha porque ela saía de minissaia com os amigos à noite se justifica dizendo que isso não é comportamento de mulher séria – se fosse o filho homem esse tipo de comportamento não seria um problema, ou seja, ela só morreu porque era mulher.

Se vocês acham que isso é frescura, me digam quantos casos conhecem de pais que mataram seus próprios filhos homens pois esses engravidaram a namorada ou porque querem sair à noite com os amigos ou porque usam short curto demais. E não, não estou falando de pais que matam filhos gays; a homofobia tem uma ligação muito estreita com o machismo porque o maior defeito do homem gay é ser visto como “mulherzinha”, e ser mulherzinha é errado e feio. Ser mulher é visto como uma coisa ruim, ponto.

Mulheres apanham de seus companheiros rotineiramente e muitas não têm condições financeiras e/ou psicológicas pra sair de um relacionamento abusivo. É fácil pra gente olhar de fora e se perguntar “mas por que ela ainda tá com esse cara?”, convenientemente esquecendo que se ela não tem como se bancar sozinha, não tem como sair de casa; se ela tem filhos, isso complica imensamente uma fuga; se ela sabe que vai ser perseguida e assassinada, ela não vai fugir. Eu e você que estamos lendo somos, provavelmente, brancos, estudados, com família relativamente estável. Temos pra onde fugir. E mesmo assim quantas de nós mulheres brancas de classe média não desistimos de sair de  relacionamentos abusivos ou simplesmente ruins porque é TÃO complicado e doloroso e logisticamente difícil sair deles que nos parece menos terrível permanecer numa situação desagradável, porém conhecida?

Cultura do estupro é isso tudo. Objetificar mulheres faz parte da cultura do estupro, pois um ser humano tratado como objeto, desumanizado, é mais facilmente oprimido e eliminado. Culpabilizar a vítima faz parte da cultura do estupro, pois livra de responsabilidade quem realmente cometeu o crime, o que significa que provavelmente vai cometer de novo. Desprezar o sofrimento alheio faz parte da cultura do estupro – a partir do momento em que você deixa claro que acha frescura se incomodar com pequenos atos diários de machismo, está limpando a sua barra pra continuar cometendo esses atos, afinal de contas a culpa é de quem se ofende por qualquer coisa. Aquela broderagem maneira, sabe, ver o colega mostrando foto da amante pelada na cama que ele tirou escondido e não repreendê-lo, não tomar o lado da colega de trabalho que foi ofendida pessoalmente por outro colega usando termos machistas, dar penas leves pra quem cometeu crimes hediondos contra mulheres (leia-se passar pano pra macho) contribui pra cultura do estupro.

Sabe o que mais faz parte da cultura do estupro? Esses nossos pequenos machismos cotidianos, o uso de termos machistas no nosso vocabulário corrente, falar coisas aparentemente inocentes como “olha só o Robertinho, 1 aninho e já gosta de mulher, vai ser um garanhão”, “essa Renatinha vai dar trabalho, hein, é bonita demais”, a hipersexualização de crianças (e uma ramificação disso é a tara por mulheres totalmente depiladas, vamo combinar).

O fato de termos que criar leis específicas pra proteger mulheres não é mais do que um reflexo dessa cultura que normaliza o assédio e a violência. Há uns meses estive com a Ana Cardoso num evento da Defensoria Pública do Paraná em que foi criado um projeto pra proteger mulheres vítimas de abuso, e a Maria da Penha contou a sua história, que é sempre muito dolorosa de ouvir. A lei com o nome dela é admirada em todo o mundo, mas o fato de que tenha sido preciso criar uma lei desse tipo é incrivelmente triste. Foi preciso criar uma lei que torna crime ejacular em público (leia-se ejacular em cima de mulheres no ônibus, uma coisa que acontece com uma frequência BIZARRA no Brasil). Os vagões rosa (CHER DO CÉU, COMO EU ODEIO ESSA MANIA IDIOTA DE SEM-PRE USAR ROSA PRA REPRESENTAR MULHERES. Em tempo: “rosa” usado como adjetivo não vai pro plural, tá? Então é “vagões rosa” mesmo, assim como seria “vagões cinza” e “vagões laranja”, porque esses adjetivos são derivados de substantivos. Obrigada, de nada) no metrô do Rio e em outras cidades no mundo inteiro são um exemplo. Em vez de ensinar os homens a não encoxarem as mulheres no transporte público, cria-se um vagão só pra elas, coitadas. E pensar que ainda criticamos os muçulmanos por todas as atitudes que tomam pra “proteger” as mulheres, pois os pobres homens de merda não conseguem se controlar, são regidos pelos seus pênis, ó vida, ó céus.

 

Não somos tão diferentes deles não, na real. Homens não querem perder seus privilégios – leia-se não querem perder o direito de assediar mulheres – e por isso no fim das contas quem tem que esperar o vagão rosa (porque se sofrer assédio em outro vagão certamente irão perguntar MAS POR QUE VOCÊ NÃO ESTAVA NO VAGÃO ROSA? SE ESTIVESSE NO VAGÃO ROSA ISSO NÃO TERIA ACONTECIDOZZZZZZZZZZZ), tem que cobrir a cabeça, tem que usar vestido até o pé, somos nós mulheres.

Espero estar deixando claro que o fenômeno é mundial, embora no Brasil as coisas sejam particularmente ruins. Dar nome aos bois e usar a terminologia correta – feminicídio, estupro, abuso – ajuda. Parar de interromper mulheres ajuda. Educar seu filho homem não pra ser pegador, mas pra respeitar todo mundo, ajuda. FALAR SOBRE GÊNERO NA ESCOLA AJUDA, mas nem isso teremos, com o governo do Grandíssimo Saco de Merda vetando qualquer tipo de conversa útil nas escolas.

Pra chegar ao macro, precisamos partir do micro. Pra conseguir grandes mudanças na sociedade, é preciso que a gente mude também. É importante prestar mais atenção ao que dizemos, a como nos comportamos – principalmente se você, leitor, for homem. Não seja o macho escroto. Não interrompa quando uma mulher estiver falando. Não explique a uma mulher uma coisa que ela sabe melhor que você. Não use termos como “aquela vaca”, “aquela piranha”. Não deixe de denunciar o amigo que fez revenge porn. Não seja esse macho escroto.

Micro também significa ativismo online. Por isso gravamos um episódio com a Aline Hack do podcast Olhares, falando sobre justiça reprodutiva. O episódio saiu antes da campanha #ativismonaweb começar e vocês já devem ter ouvido, mas isso não faz a menor diferença, porque esse assunto é atual sempre e deveria ser discutido todo fucking dia. Segundo o site oficial da Câmara, “A campanha, realizada em escala mundial de 25 de novembro, Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, a 10 de dezembro, data em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também tem o objetivo de propor medidas de prevenção e combate à violência, além de ampliar os espaços de debate com a sociedade.” Não é mimimi de feminazi brasileira. É uma campanha mundial, porque o problema da violência contra as mulheres é mundial. No Brasil a campanha começa dia 20 pra pegar a onda do Dia da Consciência Negra, hoje, 20 de novembro. Nossa campanha aqui é mais longa porque no Brasil as mulheres negras sofrem muito mais violência do que as brancas.

Pra participar da campanha, usem seus canais de comunicação pra discutir o assunto e usem as hashtags da campanha nas mídias sociais. Quando forem divulgar esse texto e o nosso episódio de justiça reprodutiva (e eu sei que vocês vão divulgar, porque vocês são gente boa), usem as hashtags da campanha.

Leiam mulheres. Ouçam mulheres. ESCUTEM O QUE TEMOS A DIZER. Nós precisamos ser ouvidas, ser levadas em consideração. Não existe outro caminho pra acabar com a cultura do estupro e com a violência contra as mulheres.

Castração química não resolve, armar mulheres não resolve, nem penas mais pesadas resolvem, pois sabemos que nada disso detém quem realmente quer agredir, e num país normal o objetivo principal nem deveria ser prender estupradores, na boa, né. O objetivo principal deveria ser que HOMENS PARASSEM DE ESTUPRAR, ponto final.

Beijo.

 

 

Pistolando #011 – Justiça Reprodutiva com Aline Hack

Tempo de leitura: 3 minutos

O aumento ou a diminuição do crescimento populacional, tratado como assunto político, muitas vezes invade a liberdade de decisão do homem ou da mulher sobre o tamanho da sua prole. Não é possível lutar pela liberação das mulheres sem lutar pelo controle pelos próprios corpos. Justiça reprodutiva é o direito humano a não ter filhos, a ter filhos, a educar seus filhos em ambientes saudáveis, e também é o direito humano à autonomia do próprio corpo e a expressar a sexualidade livremente. É um assunto crucial? Claro que é. Falamos sobre isso com Aline Hack, do podcast Olhares, porque ela sabe das coisas.

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Pistolando #010 – Editorial Final das Eleições #PodosferaAntifascista

Tempo de leitura: 3 minutos

Demoramos uma semana até gravar isso, precisávamos de um tempo para digerir tudo o que estava acontecendo.

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