ideias para adiar o fim do mundo

olha o fim do mundo aí, gente!

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À primeira vista, “Ideias para adiar o fim do mundo” pode parecer um título meio pretensioso pra um livrinho tão pequeno. Porque ele é pitico mesmo, de dimensões e de número de páginas – 72, com muitas páginas em branco no meio, ou seja, o conteúdo é curto.

Mas é uma delicinha de ler, e no fim das contas o título faz muito sentido. Ailton Krenak é um dos maiores pensadores indígenas brasileiros e esse livrinho na verdade é uma palestra que ele deu no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Também há textos transcritos de uma outra palestra e de uma entrevista, ambas em Lisboa. Ler esse livro é como ouvi-lo falar, o que é sempre muito gostoso, mesmo com o choque de realidade.

No nosso episódio sobre o fim da carne falamos sobre o nosso distanciamento das origens do que comemos, e de como essa desconexão da origem de tudo, na real, e não só da comida, é um problemaço. Esse pressuposto de que as coisas aparecem magicamente na prateleira do supermercado, sem entender a cadeia de produção, os mecanismos perversos por trás de tudo o que consumimos, trouxe a gente pro ponto no qual nos encontramos hoje, nesse momento da história do planeta em que a presença humana é mais nefasta e potencialmente devastadora do que nunca. Estamos pertinho da borda do precipício e continuamos achando que tá tudo bem, continuamos no piloto automático, sem prestar atenção no que acontece nos bastidores da vida capitalista.

Se é certo que o desenvolvimento de tecnologias eficazes nos permite viajar de um lugar para outro, que as comodidades tornaram fácil a nossa movimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades são acompanhadas por uma perda de sentido dos nossos deslocamentos.

Né? A gente definitivamente precisa parar pra pensar sobre essas coisas. E quando você pára (esse acento caiu ou ainda tem? Gosto dele; vou deixar) pra pensar, que é o que esse livrinho te força a fazer, A Grande Ficha (TM Laerte) cai.

O fim do mundo talvez seja uma breve interrupção de um estado de prazer extasiante que a gente não quer perder.

Ou seja, todas as agruras do ser humano podem ser resumidas em “ninguém quer perder privilégios”. O que faz sentido, obviamente; abrir mão de coisas legais é sempre doloroso, assim como pedir desculpas, admitir um erro, mudar de opinião. Mas é exatamente disso tudo que estamos precisando, ou não conseguiremos adiar o fim do mundo. É preciso dar uma guinada radical no jeito em que fazemos meio que tudo, a mudança precisa ser estrutural, mas nada vai mudar enquanto não aprendermos a fazer essas coisas chatas e dolorosas – sendo que todas elas começam com a gente pensando no que está fazendo. Pensar é o que o capitalismo não quer que a gente faça, de maneira alguma.

E nossas crianças, desde a mais tenra idade, são ensinadas a serem clientes. Não tem gente mais adulada do que um consumidor. São adulados até o ponto de ficarem imbecis, babando.

Outro dia, na reunião de pais na escola da minha filha, uma mãe estava dizendo que “é muito fácil educar o filho dos outros, né”. Quase respondi, mas fiquei quieta. O lance é que educar não é difícil. É cansativo, coisa muito diferente. O mesmo vale pra ser um bom cidadão – não é difícil, mas é cansativo se policiar o tempo todo, principalmente quando a maioria das pessoas ao seu redor funciona na modalidade deambulando e defecando. Educar uma criança direito requer tempo, paciência e sim, aquela palavra tão esvaziada, empatia. Ser um cidadão consciente requer as mesmas coisas. É preciso pensar, refletir, se questionar, e nada disso é indolor – por isso é tão fácil pro capitalismo nos impedir de fazer essas coisas. É muito confortável pra gente simplesmente se deixar levar por um sistema que não nos incentiva a fazer coisas dolorosas e cansativas.

O lance é que não tá dando certo, né. Se por um lado o ser humano é naturalmente desesperado e já houve inúmeras ocasiões históricas em que parecia que o mundo estava pra acabar, dessa vez os números, os dados, estão comprovando que a coisa é muito séria. Eu tenho medo, de verdade, de pensar em que tipo de mundo minha filha vai herdar, porque eu não sei como ele vai ser. Não sei o que vai restar se a gente não se mexer AGORA.

Sim, sim, Sabrina nos ensinou que não são nossos canudos de inox e copos de silicone e hábitos de reciclagem que vão adiar o fim do mundo. Mas a necessária mudança estrutural tem que começar de algum lugar, tem que ser exigida por nós, e só seremos capazes de exigi-la se fizermos essas reflexões dolorosas. Então fica aí o recado do Krenak. Bora pensar.