Leticia Dáquer

Pistolando #082 – BMF edition: Lego, dinossauro, ameba, peido, peido de novo, espermatozóide, salmonela, Excel, obelisco

Tempo de leitura: 2 minutos

 

 

O Bom, o Mau e o Feio 

 

Ficha técnica

Hosts: Leticia Dáquer e Thiago Corrêa

Edição: Leticia Dáquer

Capa: Leticia Dáquer

Data da gravação: 30/08/2020

Data da publicação: 02/09/2020

Coisas mencionadas no episódio

Mapa interativo dos EUA pra crianças (brinquedo)

Mulher que faz rampas de Lego (German grandma builds wheelchair ramps from Lego, Reuters, 169/02/2020)

Livro sobre câncer: O imperador de todos os males – uma biografia do câncer (Siddartha Mukherjee)

Episódio do podcast The Daily, do NYT, sobre o Salvini e o sucesso da direita em regiões italianas tradicionalmente de esquerda

Filme sobre o Marcel Marceau (Resistance, 2020)

Vídeo de ameba fagocitando algo (talvez um paramécio)

 

O Bom:

Leticia:

Thiago:

 

O Mau:

Leticia:

Thiago:

 

O Feio:

Leticia: 

Thiago: 

 

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Pistolando #080 – BMF edition: Nudista alemão persegue javali que roubou seu laptop

Tempo de leitura: 2 minutos

 

 

O Bom, o Mau e o Feio 

 

Ficha técnica

Hosts: Thiago Corrêa e Leticia Dáquer 

Edição: Leticia Dáquer

Capa: Leticia Dáquer

Data da gravação: 17/08/2020

Data da publicação: 19/08/2020

 

Coisas mencionadas no episódio

Pistolando #034 – Música brasileira para além de Villa-Lobos

Young Champions of the Earth – finalistas do mundo e seus projetos

Pistolando #032 – O fim da carne

Documentário Muito Além do Peso

Pastelando #007 – Comida e colonialismo

Pistolando #025 – O horror, o horror

Podcast Two Girls, One Mic

Documentário Sicko

Hora Queer #132 – Mulheres e caça às bruxas

Pistolando #055 – Mulheres e caça às bruxas

Autobiografia da Angela Davis

 

O Bom:

Leticia:

 

O Mau:

Thiago:

 

O Feio:

Leticia: 

 

Menção honrosa: You swine! German nudist chases wild boar that stole laptop (The Guardian, 07/08/2020) e sua continuação: Threat to kill wild boar that stole nude bather’s laptop prompts outcry (The Guardian, 17/08/2020)

Thiago: 

 

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Pistolando #079 – Ucrânia

Tempo de leitura: 2 minutos

 

Se você só ouviu falar da Ucrânia nas Olimpíadas ou quando a Sara (inserir sobrenome inventado em língua estrangeira) falou em ucranizar o Brasil, esse episódio é pra você. Vem ouvir o papo com o historiador Frank De Paula e tentar entender um pouco dessa novela.

 

Ficha técnica

Hosts: Thiago Corrêa e Leticia Dáquer

Convidado: Frank De Paula

Edição: Leticia Dáquer, curadoria musical de Thiago Corrêa

Capa: Leticia Dáquer 

Data da gravação: 03/08/2020

Data da publicação: 12/08/2020

Músicas:

 

Links relacionados ao episódio

Ukraine The Masks of the Revolution PLTV Documentary by Paul Moreira

Kiev: Masks of Revolution

Ukraine’s far-right children’s camp: ‘I want to bring up a warrior’ (documentário The Guardian)

Italy seizes missile, guns in raids on neo-Nazis (Al Jazeera, 15/07/2019)

 

A Balada do Pistoleiro

Chico/Frank

Podcast: Popular Front

Série: The Expanse (Netflix)

 

Leticia Dáquer

Perfil no Twitter: @mondomascots

 

Thiago Corrêa

Jogo de celular: Walk Master

 

Jabás

Chico/Frank

Twitter: @frankthepaula

 

Leticia Dáquer

Twitter: @pacamanca

Blog: www.pacamanca.com

 

Thiago Corrêa

Twitter: @thiago_czz

 

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Pistolando #078 – BMF edition: Templo submarino narcisista quebra dedão do pé do macaco Lúcifer, que não pode mais comer comida de avião se a impressão anal não desbloquear o consolo Bluetooth do glory hole BDSM das emas

Tempo de leitura: 2 minutos

 

O Bom, o Mau e o Feio 

 

Ficha técnica

Hosts: Thiago Corrêa e Leticia Dáquer 

Edição: Leticia Dáquer

Capa: Leticia Dáquer

Data da gravação: 02/08/2020

Data da publicação: 05/08/2020

 

Coisas mencionadas no episódio

Livro: Sem Consciência, o Mundo Perturbador dos Psicopatas que Vivem Entre Nós (Robert D. Hare)

Livro: The Psychopath Inside: A Neuroscientist’s Personal Journey Into the Dark Side of the Brain (James Fallon)

Vídeos de Vittorio Sgarbi: brigando com Alessandra Mussolini, brigando com Busi (o famoso episódio onde ele começou com essa mania de gritar “capra! Capra! Capra! Capra!” repetidamente)

Episódio do Dragões de Garagem sobre cocô

 

O Bom:

Leticia:

Thiago

 

O Mau:

Leticia:

Thiago:

 

O Feio:

Leticia: 

Thiago: 

 

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olha o fim do mundo aí, gente!

Tempo de leitura: 3 minutos

 

À primeira vista, “Ideias para adiar o fim do mundo” pode parecer um título meio pretensioso pra um livrinho tão pequeno. Porque ele é pitico mesmo, de dimensões e de número de páginas – 72, com muitas páginas em branco no meio, ou seja, o conteúdo é curto.

Mas é uma delicinha de ler, e no fim das contas o título faz muito sentido. Ailton Krenak é um dos maiores pensadores indígenas brasileiros e esse livrinho na verdade é uma palestra que ele deu no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Também há textos transcritos de uma outra palestra e de uma entrevista, ambas em Lisboa. Ler esse livro é como ouvi-lo falar, o que é sempre muito gostoso, mesmo com o choque de realidade.

No nosso episódio sobre o fim da carne falamos sobre o nosso distanciamento das origens do que comemos, e de como essa desconexão da origem de tudo, na real, e não só da comida, é um problemaço. Esse pressuposto de que as coisas aparecem magicamente na prateleira do supermercado, sem entender a cadeia de produção, os mecanismos perversos por trás de tudo o que consumimos, trouxe a gente pro ponto no qual nos encontramos hoje, nesse momento da história do planeta em que a presença humana é mais nefasta e potencialmente devastadora do que nunca. Estamos pertinho da borda do precipício e continuamos achando que tá tudo bem, continuamos no piloto automático, sem prestar atenção no que acontece nos bastidores da vida capitalista.

Se é certo que o desenvolvimento de tecnologias eficazes nos permite viajar de um lugar para outro, que as comodidades tornaram fácil a nossa movimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades são acompanhadas por uma perda de sentido dos nossos deslocamentos.

Né? A gente definitivamente precisa parar pra pensar sobre essas coisas. E quando você pára (esse acento caiu ou ainda tem? Gosto dele; vou deixar) pra pensar, que é o que esse livrinho te força a fazer, A Grande Ficha (TM Laerte) cai.

O fim do mundo talvez seja uma breve interrupção de um estado de prazer extasiante que a gente não quer perder.

Ou seja, todas as agruras do ser humano podem ser resumidas em “ninguém quer perder privilégios”. O que faz sentido, obviamente; abrir mão de coisas legais é sempre doloroso, assim como pedir desculpas, admitir um erro, mudar de opinião. Mas é exatamente disso tudo que estamos precisando, ou não conseguiremos adiar o fim do mundo. É preciso dar uma guinada radical no jeito em que fazemos meio que tudo, a mudança precisa ser estrutural, mas nada vai mudar enquanto não aprendermos a fazer essas coisas chatas e dolorosas – sendo que todas elas começam com a gente pensando no que está fazendo. Pensar é o que o capitalismo não quer que a gente faça, de maneira alguma.

E nossas crianças, desde a mais tenra idade, são ensinadas a serem clientes. Não tem gente mais adulada do que um consumidor. São adulados até o ponto de ficarem imbecis, babando.

Outro dia, na reunião de pais na escola da minha filha, uma mãe estava dizendo que “é muito fácil educar o filho dos outros, né”. Quase respondi, mas fiquei quieta. O lance é que educar não é difícil. É cansativo, coisa muito diferente. O mesmo vale pra ser um bom cidadão – não é difícil, mas é cansativo se policiar o tempo todo, principalmente quando a maioria das pessoas ao seu redor funciona na modalidade deambulando e defecando. Educar uma criança direito requer tempo, paciência e sim, aquela palavra tão esvaziada, empatia. Ser um cidadão consciente requer as mesmas coisas. É preciso pensar, refletir, se questionar, e nada disso é indolor – por isso é tão fácil pro capitalismo nos impedir de fazer essas coisas. É muito confortável pra gente simplesmente se deixar levar por um sistema que não nos incentiva a fazer coisas dolorosas e cansativas.

O lance é que não tá dando certo, né. Se por um lado o ser humano é naturalmente desesperado e já houve inúmeras ocasiões históricas em que parecia que o mundo estava pra acabar, dessa vez os números, os dados, estão comprovando que a coisa é muito séria. Eu tenho medo, de verdade, de pensar em que tipo de mundo minha filha vai herdar, porque eu não sei como ele vai ser. Não sei o que vai restar se a gente não se mexer AGORA.

Sim, sim, Sabrina nos ensinou que não são nossos canudos de inox e copos de silicone e hábitos de reciclagem que vão adiar o fim do mundo. Mas a necessária mudança estrutural tem que começar de algum lugar, tem que ser exigida por nós, e só seremos capazes de exigi-la se fizermos essas reflexões dolorosas. Então fica aí o recado do Krenak. Bora pensar.

a base do trabalho de base

Tempo de leitura: 4 minutos

 

Houve (não paguem o mico que os dois jumentos, o Conje e o Weintraub, pagaram recentemente falando “houveram”, “haviam” etc. Em tempo: não são jumentos porque não sabem usar o verbo haver corretamente, e sim porque, sendo um, TEORICAMENTE, um juiz, que TEORICAMENTE passou numa prova dificílima, e o outro um ministro da educação, esse tipo de erro é imperdoável, e também porque já deram N provas da sua jumentice) duas coisas no meu dia ontem que me deixaram pensativa, estilo Dimitra Vulcana.

Lá pra hora do almoço, depois da academia, passei na lojinha onde compro minhas sementinhas pra pseudopanqueca do café da manhã. Tava chovendo – vem chovendo todos os dias desde segunda – e o dono, que já meio que conheço porque passo lá mais ou menos uma vez por semana, tava sentado vendo televisão atrás do balcão. Perguntei se a chuva tava atrapalhando o movimento; ele respondeu que sim, mas que também tinha receio de rolar alguma confusão mais tarde, por causa da manifestação #30MpelaEducação. Falei que ia, lógico; jamais perco a chance de engrenar numa conversa desse tipo. Deu-se o seguinte diálogo:

Cara: Pois é, minha filha também vai… Ela estuda Letras na UFPR mas eu tô achando ela muito radical.

Eu (usando minha técnica de fazer uma pergunta em vez de dar uma resposta pronta): Defina “radical”.

Cara: Por exemplo, ela foi a uma manifestação um dia e voltou com um olho roxo. Disse que caiu da bicicleta, mas eu acho que apanhou da polícia.

Eu: Mas se ela apanhou da polícia, me parece que radical foi a polícia que bateu numa FUCKING ESTUDANTE, não?

Cara: …

Eu: Imagino que ela deva estar preocupada com o futuro dela na faculdade, né.

Cara: Sim, ela tinha conseguido uma bolsa de pesquisa, mas foi cortada.

Eu: Pois é, temos o único governo do sistema solar que quer resolver os problemas da educação CORTANDO FUNDOS PRA EDUCAÇÃO.

Cara: …

 

Saí de lá tentando entender o limite da falta de compreensão de mundo de quem pensa dessa forma. Como é possível alguém chamar de radical a própria filha que APANHOU da polícia por estar protestando pelos direitos QUE ELA TEM SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL? Como é possível chegar nesse ponto extremo de incompreensão, de falta de lógica, de ausência de bom senso?

Mais tarde, ouvindo o Fora de Prumo sobre o ataque às universidades, me peguei concordando com a participante (só reconheço a voz do Gabriel ainda, sorry, zente) quando ela diz que não é só uma questão de simplificar o discurso. Frequentemente nos encontramos na situação de explicar conceitos básicos pra gente que nunca estudou direito, que tem dificuldade de interpretação não só de texto, mas também de fala, que não entende o conceito de longo prazo, de efeito cascata, de consequências indiretas. Fiquei pensando nisso o dia inteiro ontem. Lembrei de um livro que li quando fiz a matéria de sociologia na faculdade de Comunicação Internacional na Itália (não terminei o curso, mas fiz várias matérias bem maneiras), chamado Orality and Literacy, de Walter J. Ong. Lembro que quando fui fazer a prova (oral, porque lá é tudo assim) contei uma história do meu sogro, que estudou pouquíssimo e tem muita dificuldade em entender conceitos um pouquinho mais abstratos (e é disso que fala o livro). O professor, que era da minha idade, riu e disse que tinha tido uma conversa semelhante recentemente, quando foi papear com um cara que criava porcos. O prof perguntou quanto vivia um porco, e o fazendeiro respondeu, sei lá, 6 meses – a idade em que o porco está pronto pro abate. Jamais passou pela cabeça dele que se não for abatido, o porco pode viver muito mais que isso, porque pra ele porco serve somente pra comer, não existe porco além disso.

Segundo o livro, que recomendo vivamente, uma característica da vida sem a escrita (que obviamente depende da leitura) ocupando um papel importante é a dificuldade de entender conceitos abstratos.

Planejamento requer pensamento abstrato.

Compreender o conceito de longo prazo requer pensamento abstrato.

Entender consequências, diretas e indiretas, requer pensamento abstrato.

Quem está preocupado, justamente, em botar comida na mesa HOJE, AGORA, não tem nem matéria-prima e nem motivação pra pensar a longo prazo. A instabilidade da vida nos torna excessivamente pragmáticos – e estou dizendo isso enquanto pessoa excessivamente pragmática, embora de um outro jeito, digamos assim. Quando você nunca sabe o que vai acontecer amanhã – vão congelar a sua poupança? Vão aumentar em 10 anos o tempo que você vai levar pra se aposentar? Vão cortar o SUS? Vão cortar a merenda da escola do seu filho? – não faz o menor sentido se preocupar com o amanhã. Quando o amanhã chegar, a gente encara.

Essa volta toda pra chegar no que o pessoal do Fora de Prumo comentou. O problema não é só uma questão de simplificar a linguagem. Usar de uma linguagem simples pra explicar um conceito básico que a pessoa simplesmente não é capaz de compreender porque lhe falta motivação, matéria-prima, uma fundação de conhecimento, não vai ajudar a fazer o conceito entrar na cabeça do interlocutor. Simplesmente não vai.

O resultado a gente viu nessas últimas eleições.

Tenho respostas? Sorry, não tenho. Mas essas são questões que já vinham flutuando, amorfas, na minha cabeça há um tempo. Ontem os acontecimentos do dia me fizeram organizar um pouco mais essas ideias e quis compartilhar aqui. O que a esquerda chama de trabalho de base na verdade é algo de BEM mais complexo e difícil, a meu ver. Eu não sei nem por onde começar.

O que vocês acham?

em boa companhia

Tempo de leitura: 2 minutos

 

Ao que parece, 2019 vai ser o ano do podc… Não, péra.

Pra gente esse tá sendo o ano da leitura. Estamos tentando participar o máximo que podemos do desafio de leitura de autoras mulheres que as meninas do As Desqualificadas estão fazendo, e eu pessoalmente venho fazendo resenhas dos livros que estou lendo, que façam ou não parte do desafio, como maneira de me estimular a ler mais. Netflix e redes sociais sugam a gente; quando a gente olha já passamos uma semana inteira sem ler nada.

Not today, Satan! Esse ano estamos atacados, duas máquinas de ler devorando um monte de gêneros diferentes. Por isso veio muito a calhar a parceria que fizemos com a Companhia das Letras.

(Por falar em Companhia das Letras, ouçam o podcast deles, que a gente já ouvia muito antes dessa parceria rolar. As entrevistas são sempre muito boas.)

Eles tavam atrás de produtores de conteúdo pra falar dos livros deles; tivemos sorte de entrar no grupo dos parceiros pra esse projeto e todo mês recebemos um e-mail com um catálogo do qual podemos escolher um livro, sobre o qual depois falamos no podcast. O livro de fevereiro eu escolhi junto com o Thiago e o episódio que fala dele, ou melhor, que vai partir do livro pra expandir o assunto central da história, vai ser gravado antes do final do mês, com convidados que cês não vão acreditar, cês não tão entendendo. O livro de março está sendo votado na Pistolândia, o grupo dos nossos catárticos no Telegram, enquanto digito esse post.

(Falando em catárticos, estamos muito precisados de mais apoio, principalmente depois do assalto desse fim de semana. Thiago precisa de um celular novo e de uma escrivaninha pra poder editar de casa, em vez de ficar no trabalho até onze da noite pra aproveitar os móveis ergonômicos da empresa.)

O legal é que os títulos disponíveis são sempre muito variados e temos que nos virar pra encaixá-los no nosso formato, no nosso estilo. É um ótimo exercício de criatividade e um desafio pra gente (leia-se “sarna pra se coçar”, mas a gente gosta). É também a oportunidade de fazer algo diferente, pois se por um lado ideias pra pauta não nos faltam, por outro é bom ter um ponto inicial concreto a partir do qual podemos ir pra várias direções diferentes na hora do debate, já que o tema central do livro pode ser explorado de ângulos variados que muitas vezes não teríamos levado em consideração se não fosse o livro.

Nem gravamos o primeiro ainda e já estamos mega animados 😀

Então fica aí a mensagem: leiam mais, ajudem a gente no Catarse, divulguem pros amigos, sigam a gente no Twitter e no Instagram e fiquem de olho no feed, porque vem coisa aí que cês não tão esperando não 😉

qual é o seu feminismo?

Tempo de leitura: 5 minutos

 

Eu moro na internet, vocês sabem. Estou em vários grupos diferentes, alguns só de mulheres. São safe places pra nós, principalmente pras mais sensíveis de nós – não me incluo nessa categoria, mas sempre me sinto honrada de ser convidada pra participar deles.

Em um desses grupos passamos um bom tempo semana passada nos indignando com ômis fazendo omices em outro grupo do qual todas participamos, e onde somos minoria de gênero. Nada de altamente ofensivo, mas aquelas coisinhas de sempre: piadinhas de duplo sentido, menosprezo pelas nossas dúvidas e perplexidades, manterrupting, mansplaining, ômi ignorando solenemente as nossas contribuições. Passamos alguns dias indignadas e reclamando deles no nosso grupo. Até que umas três ou quatro delas, todas mulheres que admiro muito e cuja trajetória acompanho há tempos, vieram dizer que estavam cansadas do clima pesado que tava rolando no grupo e perguntar se não era o caso de dar uma acalmada e tentar chamar os caras no pvt, dialogar, explicar, lançar mão de comunicação não-violenta.

Não é uma estratégia na qual estou disposta a insistir.

Quem me conhece tá careca de saber que eu sou impaciente pra cacete, mas talvez vocês não saibam que a única coisa que eu adoro mais do que me irritar é explicar, ensinar. Eu já respirei fundo inúmeras vezes pra explicar o óbvio pra quem está láaaa no comecinho da desconstrução.

E vou dizer uma coisa:

CANSEI.

Sabe, essa virou mais uma função que jogam nos nossos ombros: explicar, ensinar. Ser babá intelectual de homem-menino que nem a responsabilidade de se educar quer assumir. Eu não quero mais isso. A única pessoa por cuja educação eu sou diretamente responsável é a minha filha. Estamos em 2018; a desculpa “desinformação e desconhecimento” não cola mais pra justificar machismo, racismo, homofobia e escrotidão generalizada.

Entendam: não estou de maneira alguma dizendo como você, mulher, deve se comportar, obviamente, mas eu, EU, Leticia Dáquer, JAMAIS serei aquela que sai do grupo porque os machos são escrotos. Jamais. Esperem sentados, porque não vai acontecer. Esse não é o meu feminismo. Eu sou aquela que vai começar questionando de leve, e depois vai distribuir voadoras nucleares, cadeiradas na gengiva, traulitadas na fuça, em quem insistir no comportamento imbecil. Eu não tenho mais saco pra discutir o óbvio com homem cretino. Não tenho mais paciência nem energia pra ensinar macho a não ser escroto. Não quero mais esse fardo. NÃO SOU OBRIGADA.

Pensem em quantas coisas a gente (nós, mulheres) não poderia estar debatendo, descobrindo, discutindo, aprendendo, ensinando, se não tivesse que perder tempo rebatendo argumentos idiotas e nos defendendo de ataques machistas. Quanta coisa mais produtiva poderíamos estar fazendo! Mas não, estamos aqui gastando saliva explicando pra gente escrota que ser escroto é ruim. Na boa, não. Não vou ser eu a encarnar mais esse papel. Tô fora. São pouquíssimos os homens que merecem esse esforço. Se você conhece algum, vai na fé, eu também já conheci e fui na fé e não me arrependo (inserir o gif da galinha rodando na discoteca com os dizeres I REGRET NOTHING). Mas a imensa maioria simplesmente não quer saber. A imensa maioria é comentarista de portal, e com comentarista de portal não existe CNV suficiente na Via Láctea. A gente fica perdendo tempo e energia com esses cretinos e deixando de fazer outras coisas mais produtivas, mais maneiras, mais enriquecedoras.

Vou citar aqui o livro que estou lendo, que foi a minha dica cultural do último episódio (que por sinal ficou tchutchuco e se você não ouviu ainda, tá perdendo):

Minha tradução livre: O tipo de compaixão que é útil para homens e meninos que estão tentando escapar de um mundo de violência, misoginia e constipação emocional não é a compaixão de um padre que perdoa os pecados, mas a de um médico que olha para um idiota que esperou demais antes de procurar ajuda para uma ferida purulenta e diz, com firmeza e precisão: sinto muito, mas vai doer.

Não existe maneira indolor de sair do machismo. Não vai ser saindo de grupos povoados de homens escrotos, nem chamando no pvt pra uma conversa longa e cansativa que não vai dar em nada e que só ele vai ler – se é que vai ler, nem fingindo que não é com a gente, que as coisas vão mudar. É isso o que eles querem: que a gente recue, deixe de ocupar espaços, evite o confronto. Existe esse feminismo de bastidores também, que faz esse trabalho de formiguinha, e admiro quem tem esse tipo de paciência, mas não é o meu.

Eu acho que tem que expor. Tem que jogar na cara. Tá sendo escroto no grupo? Mostra ao grupo o quão escroto ele tá sendo. Faz ele passar vergonha com os amiguinhos. Não importa se os amiguinhos o apoiarem, num exemplo de broderagem idiota; COM CERTEZA alguma moita no grupo (todo grupo tem moita) vai ler e vai pensar sobre o assunto, se bobear vai rolar até a proverbial botada de mão na cabeça, a reboladinha e o exame de consciência. Depois de mil mulheres reclamando da mesma coisa, de repente – de repente, talvez, quem sabe – eles entendam que trata-se de um problema real, e não de mimimi de feminazi.

Eu tô amando esse livro. Não sou uma estudiosa do feminismo, mas muitas coisas que ela diz eu já li antes; não há grandes insights até agora (ainda estou na metade). Só que, ao contrário de outras autoras pacatas que eu já li, ela tá putaça, e eu não consigo tirar a razão dela. Eu não entendo por que diabos não estamos todas tão putaças a ponto de parar o mundo inteiro. Qualquer jornal de qualquer país do mundo conta histórias de arrepiar os cabelos envolvendo mulheres se fodendo, porque vocês sabem, Sócrates já dizia, mulher só se fode. É todo dia, o tempo todo, no mundo todo. Por que diabos não tacamos fogo em tudo ainda? Não sei. Acho que nos falta raiva, de verdade.

NÃO VAI SER COM PALAVRINHAS DE AMOR E FLORES NO CABELO QUE VAMOS MUDAR O MUNDO. Infelizmente não vai, sinto muito. Concordo plenamente com a Laurie Penny, autora do livro acima: vai ter que espremer o furúnculo pra sair o carnegão, vai doer pra cacete, vai todo mundo ver estrelas de dor. Mas ficar passando pomadinha homeopática e dizendo que vai passar não vai resolver o problema.

E como a nossa descrição já diz, acreditamos que há pontes que precisam ser queimadas, e não construídas. “Ain mas é a minha opinião” – não. Ser escroto não é opinião. Interromper mulheres o tempo todo não é opinião. Menosprezar o sofrimento das mulheres não é opinião. Chamar a sua ex de maluca quando o idiota da relação foi você não é uma opinião.

O Ivan do Anticast comentou em um programa que ele só foi ter uma vaga ideia do que realmente uma mulher experimenta quando anda sozinha na rua quando a mulher dele, na época namorada ainda, disse “então faz assim, eu vou andando sozinha na frente e você vai me seguindo a uma certa distância, só observando”. Ele ficou horrorizado com o tanto de comentários que ela ouviu de homem que acha que chamar mulher de gostosa na rua super vai fazer ela se apaixonar por ele e tirar a calcinha na hora. Doeu assistir àquilo (sim, é crase)? Doeu. Ficou incomodadíssimo. Ela já tinha explicado a ele várias vezes, e ele não tinha entendido. Precisou ver com os próprios olhos e sentir o desconforto, o incômodo de assistir à cena pra começar a mudar de ideia. E isso porque o Ivan é gente boa. Se com homem gente boa só a gente falar não adianta, por que vocês acham que vai funcionar com o macho escroto?

Bora espremer o carnegão então. Sem anestesia.

P.S.: Muitos beijos pra mulherada do Vários Assuntos Ovariados e pra Julie do Bora Marcar?

 

#ativismonaweb

Tempo de leitura: 9 minutos

 

Um dos muitos problemas recorrentes fora da minha bolha da podosfera esquerdopata gayzista marxista miçangueira é a dificuldade de conversar seriamente sobre temas que os coxinhas classificam sob o termo guarda-chuva “mimimi”. Um desses temas é a cultura do estupro. Já tentei introduzir o assunto muitas vezes no grupo dos médicos, por exemplo, mas um deles, um ser execrável de quem tenho vergonha de ter sido muito amiga por muitos anos, rebate com os clássicos não-argumentos da direita quando se toca nesse tópico. Ele é o clássico macho escroto que ficou pra trás quando o mundo andou: era aquele politicamente incorreto que todo mundo achava engraçado, a maior parte das pessoas entendeu que ele não tem mais graça, foi largado lindamente pela mulher e ainda levou um divórcio-relâmpago na fuça, e desde então foi só ladeira abaixo. Hoje é aquele homem-criança ridículo com senso de humor estilo Trapalhões, que baba quase que literalmente quando qualquer mulher passa ao lado dele e chama de feminazi qualquer uma que tenha dignidade e não dê trela pra sua figura patética. Como eu não tenho paciência pra discutir com macho escroto intelectualmente desonesto, acabo largando de mão.

Mas a gente PRECISA falar sobre cultura do estupro. O termo não é novo e nem brasileiro; foi cunhado pelas feministas da segunda onda nos EUA, o que já demonstra uma certa universalidade do patriarcado, onipresente quando se trata da nossa espécie.

O mundo é machista. Como já dizia Confúcio, mulher só se fode. Sempre estivemos na berlinda, sempre sofremos caladas, sempre fomos consideradas seres inferiores, objetos a serem possuídos, bibelôs/trophy wives, úteros ambulantes, a lista é longa e muito, muito triste. Nunca fomos ouvidas. Nossos anseios, nossas dificuldades, nossos desejos nunca foram levados a sério – nunca. Somos interrompidas O TEMPO TODO – outro dia mesmo estava assistindo à live da votação daquele abomínio do Escola Sem Partido e as deputadas mulheres eram interrompidas muito mais do que os homens. Quem não se lembra da entrevista da Manuela D’Ávila no Roda Viva, em que ela foi interrompida 12.394 vezes?

Mulheres dificilmente são criticadas (ou elogiadas) pelo que dizem ou fazem; as ofensas inevitavelmente caem pro nível pessoal, e SEMPRE acabam em sexismo. Até o vocabulário usado pra homens e mulheres é radicalmente diferente: mulher é vaca, piranha, cachorra, cadela, vadia, baranga, mal comida. Homem é garanhão, pegador, comedor. Não venham me dizer que nunca repararam nisso, pois ficarei decepcionada.

Não acertamos nunca: se não quisermos filhos, somos egoístas. Se quisermos filhos e deixarmos de trabalhar pra ficar com eles, somos preguiçosas. Se quisermos filhos e formos trabalhar fora, somos acusadas de negligenciar os filhos (me cobrem mais sobre esse assunto no futuro, por favor). Se quisermos um filho só, é triste porque filho único, né, ninguém merece; se quisermos muitos filhos, somos loucas, quem vai tomar conta, como vamos pagar as contas etc etc. Se dedicamos tempo pra ir pra academia, somos chamadas de superficiais, alá, se trabalhasse mais não teria tempo pra malhar. Se formos sedentárias, alá, toda largada, sem um pingo de vaidade. Se nos arrumamos muito, somos fúteis; se não nos arrumamos, somos molambas. Botem a mão na cabecinha e pensem em quantos homens vocês conhecem que estão sujeitos a essas mesmas críticas da mesma maneira.

Nunca somos levadas a sério: mulher bonita não é levada a sério porque se é bonita, é burra; mulher feia não é levada a sério porque deve ser mal comida e portanto rancorosa e fala as coisas por raiva e não de maneira racional.

Essa ausência de voz, essa dificuldade imensa em nos fazermos escutar, nos deixa numa posição extremamente vulnerável. Um número imenso de mulheres que sofrem abuso e violência de todo tipo – sexual, psicológico, verbal, financeiro – nem se dá ao trabalho de denunciar o agressor. Sabem que não acreditarão nelas, sabem que vão perguntar que roupa estavam usando quando aconteceu, sabem que a culpa, no final das contas, vai ser dada à vítima. Há MUITOS relatos na internet de mulheres contando como foi a tentativa de BO em delegacias, inclusive em delegacias da mulher. Contando como foi terrível ter que entrar em detalhes, ter que aguentar os olhares que as culpabilizavam pelo ocorrido, ter que responder a perguntas cretinas, ter que quase que pedir desculpas por terem-se deixado estuprar. O resultado é que o número de casos de feminicídio é, compreensivelmente, subnotificado. Vejam bem, não é só no Brasil – como já estamos carecas de saber, o mundo inteiro é machista.

Não é só no Brasil, mas aqui o bicho pega de maneira bem escancarada. Nossos números são absolutamente escandalosos, e o Grandíssimo Saco de Merda recém-eleito certamente não vai ajudar a melhorá-los. Quando um desgraçado machista lidera o seu país, você se sente autorizado a ser machista também. A tendência é piorar.

Esse meu ex-amigo desprezível é daqueles que acham que o termo feminicídio é desnecessário porque já existe homicídio, que contempla qualquer ser humano vítima de assassinato (o interessante é que ninguém contesta a existência do termo latrocínio, que é matar pra roubar – a motivação é diferente, logo o termo é diferente). Você que tá lendo isso aqui provavelmente entende o motivo da necessidade de um termo específico pro assassinato de mulheres, mas pro caso de não entender, ou de ter que explicar pra alguém, vamos lá: enquanto que sim, é verdade que morrem assassinados mais homens do que mulheres, também é verdade que homens que matam outros homens o fazem por mil outros motivos – roubo, tráfico de drogas, brigas idiotas em bar – que não o simples fato do outro ser um homem. Mulheres mortas pelas mãos de homens morrem por serem mulheres – e portanto por serem consideradas objetos descartáveis, seres cuja vida não tem valor, não-pessoas que servem para serem violentadas, exploradas, e depois eliminadas (ou trocadas por outras mais jovens, como nosso atual presidente e como o Grandíssimo Saco de Merda ilustram perfeitamente). Quando uma mulher é morta pela sua condição de ser mulher – o ex-namorado que não aceita o fim do relacionamento, o marido que não aceita uma nova gravidez, o pai que não aceita que a filha saia à noite com os amigos – isso requer uma nomenclatura diferente. Feminicídio, portanto. Vejam bem: o ex-namorado não aceita o fim do relacionamento porque ele, homem, não pode ser descartado por ela, mulher; afinal de contas, quem manda é ele. O marido que não aceita uma nova gravidez está primeiramente tirando o dele da reta, como se ela tivesse engravidado sozinha; além disso só quem tem útero engravida, logo a “desculpa” “matei porque ela engravidou” só funciona pra mulheres (e outras pessoas com útero, mas vocês entenderam). O pai que mata a filha porque ela saía de minissaia com os amigos à noite se justifica dizendo que isso não é comportamento de mulher séria – se fosse o filho homem esse tipo de comportamento não seria um problema, ou seja, ela só morreu porque era mulher.

Se vocês acham que isso é frescura, me digam quantos casos conhecem de pais que mataram seus próprios filhos homens pois esses engravidaram a namorada ou porque querem sair à noite com os amigos ou porque usam short curto demais. E não, não estou falando de pais que matam filhos gays; a homofobia tem uma ligação muito estreita com o machismo porque o maior defeito do homem gay é ser visto como “mulherzinha”, e ser mulherzinha é errado e feio. Ser mulher é visto como uma coisa ruim, ponto.

Mulheres apanham de seus companheiros rotineiramente e muitas não têm condições financeiras e/ou psicológicas pra sair de um relacionamento abusivo. É fácil pra gente olhar de fora e se perguntar “mas por que ela ainda tá com esse cara?”, convenientemente esquecendo que se ela não tem como se bancar sozinha, não tem como sair de casa; se ela tem filhos, isso complica imensamente uma fuga; se ela sabe que vai ser perseguida e assassinada, ela não vai fugir. Eu e você que estamos lendo somos, provavelmente, brancos, estudados, com família relativamente estável. Temos pra onde fugir. E mesmo assim quantas de nós mulheres brancas de classe média não desistimos de sair de  relacionamentos abusivos ou simplesmente ruins porque é TÃO complicado e doloroso e logisticamente difícil sair deles que nos parece menos terrível permanecer numa situação desagradável, porém conhecida?

Cultura do estupro é isso tudo. Objetificar mulheres faz parte da cultura do estupro, pois um ser humano tratado como objeto, desumanizado, é mais facilmente oprimido e eliminado. Culpabilizar a vítima faz parte da cultura do estupro, pois livra de responsabilidade quem realmente cometeu o crime, o que significa que provavelmente vai cometer de novo. Desprezar o sofrimento alheio faz parte da cultura do estupro – a partir do momento em que você deixa claro que acha frescura se incomodar com pequenos atos diários de machismo, está limpando a sua barra pra continuar cometendo esses atos, afinal de contas a culpa é de quem se ofende por qualquer coisa. Aquela broderagem maneira, sabe, ver o colega mostrando foto da amante pelada na cama que ele tirou escondido e não repreendê-lo, não tomar o lado da colega de trabalho que foi ofendida pessoalmente por outro colega usando termos machistas, dar penas leves pra quem cometeu crimes hediondos contra mulheres (leia-se passar pano pra macho) contribui pra cultura do estupro.

Sabe o que mais faz parte da cultura do estupro? Esses nossos pequenos machismos cotidianos, o uso de termos machistas no nosso vocabulário corrente, falar coisas aparentemente inocentes como “olha só o Robertinho, 1 aninho e já gosta de mulher, vai ser um garanhão”, “essa Renatinha vai dar trabalho, hein, é bonita demais”, a hipersexualização de crianças (e uma ramificação disso é a tara por mulheres totalmente depiladas, vamo combinar).

O fato de termos que criar leis específicas pra proteger mulheres não é mais do que um reflexo dessa cultura que normaliza o assédio e a violência. Há uns meses estive com a Ana Cardoso num evento da Defensoria Pública do Paraná em que foi criado um projeto pra proteger mulheres vítimas de abuso, e a Maria da Penha contou a sua história, que é sempre muito dolorosa de ouvir. A lei com o nome dela é admirada em todo o mundo, mas o fato de que tenha sido preciso criar uma lei desse tipo é incrivelmente triste. Foi preciso criar uma lei que torna crime ejacular em público (leia-se ejacular em cima de mulheres no ônibus, uma coisa que acontece com uma frequência BIZARRA no Brasil). Os vagões rosa (CHER DO CÉU, COMO EU ODEIO ESSA MANIA IDIOTA DE SEM-PRE USAR ROSA PRA REPRESENTAR MULHERES. Em tempo: “rosa” usado como adjetivo não vai pro plural, tá? Então é “vagões rosa” mesmo, assim como seria “vagões cinza” e “vagões laranja”, porque esses adjetivos são derivados de substantivos. Obrigada, de nada) no metrô do Rio e em outras cidades no mundo inteiro são um exemplo. Em vez de ensinar os homens a não encoxarem as mulheres no transporte público, cria-se um vagão só pra elas, coitadas. E pensar que ainda criticamos os muçulmanos por todas as atitudes que tomam pra “proteger” as mulheres, pois os pobres homens de merda não conseguem se controlar, são regidos pelos seus pênis, ó vida, ó céus.

 

Não somos tão diferentes deles não, na real. Homens não querem perder seus privilégios – leia-se não querem perder o direito de assediar mulheres – e por isso no fim das contas quem tem que esperar o vagão rosa (porque se sofrer assédio em outro vagão certamente irão perguntar MAS POR QUE VOCÊ NÃO ESTAVA NO VAGÃO ROSA? SE ESTIVESSE NO VAGÃO ROSA ISSO NÃO TERIA ACONTECIDOZZZZZZZZZZZ), tem que cobrir a cabeça, tem que usar vestido até o pé, somos nós mulheres.

Espero estar deixando claro que o fenômeno é mundial, embora no Brasil as coisas sejam particularmente ruins. Dar nome aos bois e usar a terminologia correta – feminicídio, estupro, abuso – ajuda. Parar de interromper mulheres ajuda. Educar seu filho homem não pra ser pegador, mas pra respeitar todo mundo, ajuda. FALAR SOBRE GÊNERO NA ESCOLA AJUDA, mas nem isso teremos, com o governo do Grandíssimo Saco de Merda vetando qualquer tipo de conversa útil nas escolas.

Pra chegar ao macro, precisamos partir do micro. Pra conseguir grandes mudanças na sociedade, é preciso que a gente mude também. É importante prestar mais atenção ao que dizemos, a como nos comportamos – principalmente se você, leitor, for homem. Não seja o macho escroto. Não interrompa quando uma mulher estiver falando. Não explique a uma mulher uma coisa que ela sabe melhor que você. Não use termos como “aquela vaca”, “aquela piranha”. Não deixe de denunciar o amigo que fez revenge porn. Não seja esse macho escroto.

Micro também significa ativismo online. Por isso gravamos um episódio com a Aline Hack do podcast Olhares, falando sobre justiça reprodutiva. O episódio saiu antes da campanha #ativismonaweb começar e vocês já devem ter ouvido, mas isso não faz a menor diferença, porque esse assunto é atual sempre e deveria ser discutido todo fucking dia. Segundo o site oficial da Câmara, “A campanha, realizada em escala mundial de 25 de novembro, Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, a 10 de dezembro, data em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também tem o objetivo de propor medidas de prevenção e combate à violência, além de ampliar os espaços de debate com a sociedade.” Não é mimimi de feminazi brasileira. É uma campanha mundial, porque o problema da violência contra as mulheres é mundial. No Brasil a campanha começa dia 20 pra pegar a onda do Dia da Consciência Negra, hoje, 20 de novembro. Nossa campanha aqui é mais longa porque no Brasil as mulheres negras sofrem muito mais violência do que as brancas.

Pra participar da campanha, usem seus canais de comunicação pra discutir o assunto e usem as hashtags da campanha nas mídias sociais. Quando forem divulgar esse texto e o nosso episódio de justiça reprodutiva (e eu sei que vocês vão divulgar, porque vocês são gente boa), usem as hashtags da campanha.

Leiam mulheres. Ouçam mulheres. ESCUTEM O QUE TEMOS A DIZER. Nós precisamos ser ouvidas, ser levadas em consideração. Não existe outro caminho pra acabar com a cultura do estupro e com a violência contra as mulheres.

Castração química não resolve, armar mulheres não resolve, nem penas mais pesadas resolvem, pois sabemos que nada disso detém quem realmente quer agredir, e num país normal o objetivo principal nem deveria ser prender estupradores, na boa, né. O objetivo principal deveria ser que HOMENS PARASSEM DE ESTUPRAR, ponto final.

Beijo.

 

 

Guia de sobrevivência ao almoço de domingo – Parte 7:  Saúde

Tempo de leitura: 5 minutos

Falou em saúde e educação, eu entro em campo! Então lá vamos nós:

SAÚDE E EDUCAÇÃO

A SAÚDE DEVERIA SER MUITO MELHOR
Com o valor que o Brasil já gasta!
Abandonando qualquer questão ideológica,
chega-se facilmente à conclusão que a
população brasileira deveria ter um
atendimento melhor, tendo em vista o
montante de recursos destinados à Saúde.
Quando analisamos os números em termos
relativos, o Brasil apresenta gastos
compatíveis com a média da OCDE, grupo
composto pelos países mais desenvolvidos.
Mesmo quando observamos apenas os
gastos do setor público, os números ainda
seriam compatíveis com um nível de bem
estar muito superior ao que vemos na rede
pública.
É possível fazer MUITO mais com os
atuais recursos!
ESSE É NOSSO COMPROMISSO!

A saúde é uma bosta blá blá blá poderia ser melhor blá blá blá Whiskas sachê.  Gastaram um parágrafo inteiro pra falar o óbvio. Todo mundo sabe que a saúde pública fica muito aquém do que deveria, apesar do SUS ser um projeto MARAVILHOSO elogiado no mundo inteiro. Quantos outros países no mundo oferecem serviços de saúde totalmente gratuitos? Lembrando que em muitos outros ele é pago E ruim ao mesmo tempo. O SUS deve ser defendido com unhas e dentes, mas isso requer investimento. Coisa que o programa do Bozo já disse que não vai fazer (veja aqui e aqui). Eles dizem que é possível fazer muito mais com os atuais recursos (mais uma vez mostrando que não pretendem aumentar os investimentos no SUS). Como vão fazer isso?

SAÚDE NA BASE

O Prontuário Eletrônico Nacional Interligado será o pilar de uma saúde na base informatizada e perto de casa. Os postos, ambulatórios e hospitais devem ser informatizados com todos os
dados do atendimento, além de registrar o grau de satisfação do paciente ou do responsável. O cadastro do paciente reduz custos ao facilitar o atendimento futuro por outros médicos, em outros
postos ou hospitais. Além disso, torna possível cobrar maior desempenho dos gestores locais.

Ótima ideia informatizar tudo, super maneiro, fica bonitão, o computador lá, o médico cutucando a tela do tablet, todo disruptivo, pipipi popopó. Mas vem cá… O Brasil tem internet confiável, estável, difusa em todo o seu território? O posto de saúde lá nos cafundós do Amazonas vai ter prontuário digital?

E essa deveria mesmo ser a prioridade pra melhorar o SUS?

Credenciamento Universal dos Médicos: Toda força de trabalho da saúde poderá ser utilizada pelo SUS, garantindo acesso e evitando a judicialização. Isso permitirá às pessoas maior poder de escolha,
compartilhando esforços da área pública com o setor privado. Todo médico brasileiro poderá atender a qualquer plano de saúde.

“Todo médico brasileiro poderá atender a qualquer plano de saúde” na verdade quer dizer “todo médico brasileiro vai ter que ceder às compensações risíveis que os planos de saúde pagam aos profissionais, porque senão não conseguem trabalhar”. Poder de escolha coisa nenhuma – médico forçado a trabalhar por migalhas vai atender igual à cara dele, e não tiro a razão dele não.

 

PREVENIR É MELHOR E MAIS BARATO

Mais Médicos: Nossos irmãos cubanos serão libertados. Suas famílias poderão imigrar para o Brasil. Caso sejam aprovados no REVALIDA, passarão a receber integralmente o valor que lhes é
roubado pelos ditadores de Cuba!

Além da Revalida, sugiro apertar mais o Provão e a fiscalização das faculdades, porque o que tem de faculdade de medicina formando médicos péssimos no Brasil não tá no gibi. Temos uma legião de médicos que na verdade são técnicos em medicina incapazes de tratar os pacientes com gentileza, de dar atenção às queixas, de aceitar críticas, de ouvir outras opiniões, de trabalhar em harmonia com a equipe de enfermagem e com outros profissionais de saúde, que eles consideram inferiores. Uma legião de médicos que escrevem tudo errado, cometem erros inacreditáveis, são negligentes e jamais deveriam estar exercendo, mas estão, pois têm um diploma de uma faculdade vagabunda nas mãos. Prepara um Provão bem difícil, enche as faculdades de fiscais, faz avaliações severas e você vai ver quantas faculdades de bosta vão fechar. Vão sobrar bem poucas particulares, digo com tranquilidade.

 

Médicos de Estado: Será criada a carreira de Médico de Estado, para atender as áreas remotas e carentes do Brasil

Já existem programas pra mandar médicos pra regiões remotas do país; tenho colegas que trabalharam em cidades microscópicas em áreas de floresta e tal. Ninguém quer ir, porque ninguém em sã consciência quer morar num lugar remoto, sem infra nenhuma, sem conforto, sem nada pra fazer. Além de médicos, esses lugares remotos precisam de infraestrutura, que não está prevista no programa. Obviamente, o programa não especifica como será essa carreira, quem vai fazer parte dela, de onde virão os fundos pra custeá-la, como serão definidos os locais pra onde serão mandados esses profissionais. Mais uma frase absolutamente vazia, desprovida de significado.

 

Os agentes comunitários de saúde serão treinados para se tornarem técnicos de saúde preventiva para auxiliar o controle de doenças frequentes como diabetes, hipertensão, etc.

Legal, medicina preventiva. Já existem agentes comunitários treinados (também) pra saúde preventiva. São poucos, ganham pouco e contam com pouca infraestrutura. Quais são os planos pra mudar esse quadro? Nenhum, ao que parece, pois o plano não especifica.

 

UM EXEMPLO DE PREVENÇÃO

Saúde bucal e o bem estar da gestante. Estabelecer nos programas neonatais em todo o país a visita ao dentista pelas gestantes. Onde isso foi implementado , houve significativa redução de prematuros.

Saúde bucal é importante pacas, eu sei. Boa saúde bucal reduz o tempo de internação em UTI, por exemplo. Mas e aí? Do que mais precisamos, além de reduzir a incidência de bebês prematuros? Por que essa obsessão com a saúde bucal? Ele deve ter lido algo sobre isso em algum lugar, achou chique e agora enfia isso em tudo o que é debate e conversa.

 

Outro exemplo será a inclusão dos profissionais de educação física no programa de Saúde da Família, com o objetivo de ativar as academias ao ar livre como meio de combater o sedentarismo e a obesidade e suas graves consequências à população como AVC e infarto do miocárdio.

Interessante. Onde serão essas academias ao ar livre? Nas muitíssimas (cof cof) áreas verdes das nossas cidades, visto que somos um país que preza muitíssimo pelos seus parques (cof cof)? Que horas as pessoas irão fazer atividade física?  Antes ou depois de pegar a primeira de três conduções pra ir pro trabalho ou pra voltar pra casa? Quem vai ficar com os filhos dessas pessoas enquanto elas malham? Vai haver educação alimentar pra esses cidadãos? Porque todo mundo tá careca de saber que alimentação, estresse, fumo, consumo de álcool são fatores tão importantes quanto o sedentarismo pra manutenção da saúde. O que será feito pra reduzir o estresse das pessoas? Dica: cortar o décimo-terceiro salário NÃO reduz o estresse.

Mais um bloco do programa que não diz absolutamente nada. Nada, nada, nada. Um grande vazio de ideias habitado por frases feitas desprovidas de significado, que um macaco mais espertinho seria capaz de formar usando aqueles kits de palavras magnéticas pra colar na porta da geladeira.

 

Esse texto é parte de uma série. Não deixe de ver os nossos outros textos sobre o tema:

Introdução
Parte 1: “O Brasil livre”
Parte 2: “Mais Brasil, menos Brasília
Parte 3: Estrutura e gestão
Parte 4: Linhas de ação
Parte 5: Mentiras da esquerda
Parte 6: Defesa nacional
Parte 7:  Saúde
Parte 8: Educação (EM BREVE)
Parte 9: Inovação, ciência e tecnologia (EM BREVE)
Parte 10: Economia (EM BREVE)
Parte 11: Economia 2 (EM BREVE)
Parte 12: Economia 3 (EM BREVE)
Parte 13: Economia 4 (EM BREVE)
Parte 14: Economia 5 (EM BREVE)
Parte 15: Agricultura e Infraestrutura (EM BREVE)
Parte 16: Energia, petróleo e gás (EM BREVE)
Parte 17: Tranportes, portos e aviação (EM BREVE)
Parte 18: O novo Itamaraty (EM BREVE)